Invenção de Curitiba: julgamento sobre bens na colaboração premiada
Nesta quarta-feira (9/4), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a analisar novamente um conjunto de recursos de ex-executivos da Odebrecht. Esses recursos questionam o perdimento imediato dos bens e valores dos colaboradores, que foi parte de um acordo de colaboração premiada.
Os ex-executivos da Odebrecht apresentaram seis recursos contestando decisões anteriores, do relator Edson Fachin. Ele havia considerado válidas as cláusulas que eram parte dos acordos na operação "lava jato", que determinavam a perda imediata de bens como dinheiro, imóveis e até obras de arte.
Na sessão, Fachin se manifestou novamente, votando para manter sua posição anterior e validar a perda imediata dos bens após a homologação judicial do acordo. O ministro Gilmar Mendes discordou, argumentando que é inconstitucional antecipar penas sem que a decisão seja finalizada. O ministro Dias Toffoli acompanhou Gilmar. O julgamento vai continuar na quinta-feira (10/4).
As defesas dos ex-executivos afirmam que a renúncia de bens deve ocorrer somente após uma possível condenação, e depois que todos os recursos legais forem esgotados. Os recursos em questão foram apresentados entre 2019 e 2021 e tramitaram em sigilo.
Entendendo o perdimento de bens
O perdimento de bens faz parte dos acordos de colaboração premiada que foram feitos pelos ex-executivos da Odebrecht com o Ministério Público Federal (MPF). Isso está previsto na Lei da Lavagem de Dinheiro, que permite que a União ou os estados tomem todos os bens, direitos e valores relacionados a crimes.
Esses recursos estavam sendo analisados em sessões virtuais desde 2022. Entretanto, um pedido de destaque do ministro Dias Toffoli trouxe o caso de volta para um julgamento presencial, onde Fachin contava com o apoio dos ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cármen Lúcia para manter a perda imediata dos bens.
Com a divergência de Gilmar Mendes e Toffoli, eles votaram pela suspensão do cumprimento dessa penalidade até que haja uma decisão final da condenação. O ministro Cristiano Zanin se declarou impedido de participar do julgamento. Nesse novo formato, os votos foram resetados e devem ser apresentados novamente na discussão ao vivo.
A visão de Fachin
Para Fachin, não faz sentido esperar que a cláusula do acordo de colaboração que prevê a perda de bens entre em vigor somente após uma condenação. Ele alegou que os acordos foram homologados corretamente e, portanto, os colaboradores precisam cumprir o que foi pactuado.
O relator também comentou que a Lei das Organizações Criminosas permite o perdão judicial, e que o MP pode deixar de apresentar denúncia contra delatores. Ou seja, pedir que a perda de bens ocorra apenas após a condenação fere a lógica da colaboração premiada e a busca pela recuperação de bens ilícitos.
Fachin destacou que, só em processos sob sua relatoria na "lava jato", foram recuperados mais de R$ 2 bilhões em multas e perdimentos de bens. Ele ressaltou que o perdimento imediato é crucial para evitar que ativos ilícitos permaneçam com os envolvidos, protegendo assim o interesse público.
Argumentos de Gilmar Mendes
Por outro lado, Gilmar Mendes levantou pontos sérios sobre a voluntariedade das partes ao firmar esses acordos. Ele mencionou várias irregularidades durante a "lava jato", incluindo a colaboração entre o juiz Sérgio Moro e o MP revelada pela "operação spoofing".
Gilmar argumentou que, quando os acusados negociam suas liberdades e bens sob ameaça de sanções penais significativas, não existe igualdade entre a acusação e a defesa. Essa situação exige um olhar cuidadoso para as cláusulas dos acordos.
O ministro ainda observou que a perda dos bens sem uma denúncia formal ou uma condenação seria, de certa forma, um passo ameaçador em direção a um estado policial, ressaltando que muitos dos ex-executivos ainda não foram condenados. A exigência de perdimento imediato, segundo ele, viola a legalidade e os princípios do devido processo legal.
Gilmar fez questão de afirmar que a aplicação das garantias fundamentais do processo é essencial para garantir que os acordos de colaboração funcionem como deveriam, como um meio de se obter provas e esclarecer fatos de interesse público.
Ele acrescentou que essa ressignificação pode ajudar no julgamento dos crimes graves e na aplicação justa das penas, evitando que esses acordos se tornem instrumentos de injustiça e abuso de poder.
Durante essa análise, ficou claro que o julgamento sobre a validade dos acordos de colaboração e o perdimento de bens está em um momento delicado e complexo na justiça brasileira. O debate envolve não apenas questões legais, mas também princípios fundamentais que regem o sistema judiciário e a proteção dos direitos dos acusados.
É fundamental acompanhar os desdobramentos desses julgamentos que impactam tanto as práticas legais quanto a confiança da sociedade nas instituições. A decisão que se aproxima contará muito sobre como os acordos de colaboração premiada serão tratados no futuro e sobre a própria aplicação das leis no Brasil.
Nesse contexto, a discussão entre os ministros reflete a busca por equilíbrio entre justiça e proteção de direitos fundamentais. Esta análise continua, e o veredicto final poderá ter consequências significativas para os envolvidos e também para o sistema jurídico como um todo.