Na última segunda-feira, dia 14, o Vaticano anunciou a dissolução oficial do Sodalício de Vida Cristã, uma organização leiga que foi criada na década de 1970 no Peru e que tinha presença em vários países da América Latina, incluindo o Brasil. O anuncio foi feito através de um decreto assinado por José David Correa, o superior geral da entidade, na sede do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada em Roma, com a presença da irmã Simona Brambilla, prefeita do órgão responsável.
A decisão de extinguir a organização vem após uma série de graves denúncias de corrupção, assim como de abusos físicos, psicológicos e sexuais perpetrados por membros do Sodalício, incluindo seu fundador, Luis Fernando Figari. Figari foi expulso da organização em agosto de 2024, após várias acusações de abuso, algumas delas envolvendo menores. Essa expulsão aconteceu depois de anos de investigações que reuniram relatos de ex-membros da entidade.
As primeiras denúncias sobre o Sodalício começaram a surgir no início dos anos 2000, quando ex-integrantes começaram a falar sobre os abusos que vivenciaram dentro da organização. Em 2015, um livro de jornalismo investigativo foi lançado, trazendo depoimentos detalhados de vítimas e provocando uma intensificação nas investigações por parte das autoridades peruanas e do próprio Vaticano. No final de 2024, o Papa Francisco se reuniu em uma audiência privada com os autores do livro, onde foi informado diretamente sobre as ameaças e os ataques que enfrentaram ao denunciá-lo.
A nota oficial divulgada pelo Sodalício expressa que seus membros acolhem a decisão de dissolução “com dor e obediência”. No mesmo comunicado, o grupo publicou um relatório apresentando as ações de reparação realizadas entre 2016 e 2025, incluindo apoio terapêutico, oferecimento de bolsas de estudo e indenizações às vítimas. O documento também contém um pedido público de perdão pelos abusos cometidos, tanto à comunidade quanto à Igreja e à sociedade em geral.
As denúncias reveladas no livro “Metade monges, metade soldados” expõem uma série de abusos que teriam ocorrido na organização, com foco nas práticas de Figari. O relato menciona que existia um esforço por parte da liderança para proteger o fundador e ocultar a verdade sobre as acusações. Segundo o livro, Figari utilizava métodos enganosos para conquistar a confiança de adolescentes, levando-os ao abuso. Essas táticas incluíam uma abordagem que combinava sedução e apelo à autoridade espiritual.
Além dos aspectos de sedução, o livro também menciona práticas de humilhação pública usadas como forma de controle sobre as vítimas. Apesar da gravidade dos relatos, a resposta institucional do Sodalício inicialmente foi de negação e tentativas de desacreditar as denúncias.
O Sodalício de Vida Cristã chegou ao Brasil em 1986, inicialmente no Rio de Janeiro, por meio de um convite do cardeal Eugênio Sales. Em pouco tempo, a organização expandiu para outras cidades, como Petrópolis e São Paulo, onde houve a fundação do Movimento de Vida Cristã (MVC). Este movimento tinha como foco a evangelização e a formação espiritual dos leigos, além de realizar diversas ações sociais.
Um dos projetos sociais ligados ao Sodalício é a associação Solidariedade em Marcha (Somar), que visa promover o desenvolvimento humano em comunidades vulneráveis, oferecendo atividades como reforço escolar e educação ambiental. Em São Paulo, as atividades incluem retiros, cursos de formação e serviços comunitários que beneficiam mais de 300 crianças e jovens e suas famílias.
Na cidade de Petrópolis, a organização desenvolveu projetos como o Mission Brazil, direcionado à formação de jovens missionários, e o Reconciliatio, que propõe uma abordagem integrativa de saúde e desenvolvimento. Contudo, após a dissolução do Sodalício, ainda não há definição sobre a continuidade dessas iniciativas.