A Lei nº 14.112/2020 trouxe mudanças importantes na legislação que trata da recuperação judicial e falência. Essa lei se aplicava à Lei nº 11.101/2005 e agora permite que os produtores rurais também solicitem recuperação judicial. Para isso, é preciso que eles comprovem que estão atuando na atividade rural, conforme os parágrafos 3º e 4º do artigo 48 da mesma lei.
Contudo, a nova regra gerou algumas dúvidas nos tribunais. Uma questão que vem sendo debatida é se as garantias pessoais que o produtor rural deu estão ou não sujeitas à recuperação judicial. Isso impacta diretamente se o credor pode ou não cobrar o que deve em relação a essas garantias.
O artigo 49, § 6º, da Lei nº 11.101/2005 é bem claro ao afirmar que só os créditos que vêm da atividade rural e estão registrados de acordo com os parágrafos mencionados estão sob os efeitos da recuperação. Por isso, os credores não devem ser pegos de surpresa com a recuperação judicial do produtor.
Marcelo Barbosa Sacramone comenta que essa regra tem a intenção de proteger os credores. Assim, caso o produtor rural venha a ser considerado um empresário no futuro, eles não serão pegos de surpresa e todos os créditos não relacionados à atividade rural não devem ser incluídos no processo de recuperação judicial.
Um ponto importante é a distinção entre crédito e a garantia pessoal. A garantia pessoal é uma forma de proteção que assegura que, caso o devedor não cumpra sua parte do contrato, outra pessoa (o fiador por exemplo) terá que arcar com a dívida. Essa garantia está ligada à obrigação principal.
A Lei nº 11.101/2005 considera que as garantias dadas pelos produtores rurais não são afetadas por processos de recuperação judicial ou falência. Isso pode ser visto em vários artigos da lei, como o artigo 6-C, que afirma que não se pode criar responsabilidade a terceiros só por conta da inadimplência do devedor. Também há o artigo 50, § 1º, que fala sobre a venda de bens que estão como garantia e que isso deve acontecer apenas com a aprovação do credor.
A Lei também garante que o plano de recuperação não altera as garantias existentes, o que significa que, se um produtor rural entra em recuperação, os credores ainda podem buscar seus direitos através de ações individuais. A Súmula 581 do Superior Tribunal de Justiça explica que, mesmo com a recuperação do devedor principal, as ações contra fiadores e coobrigados continuam.
Portanto, é evidente que as garantias dadas estão desvinculadas do crédito principal que está sob a recuperação judicial. Com isso, os credores podem buscar seus direitos de maneira individual em relação a essas garantias pessoais, mesmo que o produtor rural esteja em recuperação.
Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo foi um dos primeiros a se manifestar sobre esse tema. As decisões têm mostrado que a execução contra avalistas produtores rurais em recuperação judicial deve seguir normalmente, visto que a garantia oferecida não está ligada à sua atividade rural. O desembargador Sergio Gomes, em um caso específico, detalhou que o produtor, ao assinar como avalista, ofereceu uma garantia pessoal, separada de sua atividade como produtor rural.
Essa interpretação correta dos tribunais é importante por garantir segurança jurídica, principalmente em um momento em que o número de pedidos de recuperação judicial por produtores rurais cresceu bastante. Somente em 2024, esse número aumentou em 138% em relação ao ano anterior.
Com isso, uma boa interpretação da Lei nº 11.101/2005, que leva em conta a preservação da empresa, mas também a segurança do mercado de crédito, mostra que a garantia pessoal oferecida por um produtor rural em recuperação não é afetada. Isso abre espaço para que credores sigam com suas ações de cobrança em relação a essas garantias, mesmo diante da recuperação judicial do produtor rural.
O panorama atual da recuperação judicial é bastante dinâmico e com muitos aspectos a serem considerados. As mudanças nas leis buscam adaptar-se às necessidades do mercado e às especificidades das atividades rurais. A compreensão das garantias e como elas funcionam no processo de recuperação judicial é fundamental tanto para credores quanto para devedores que buscam reorganizar suas finanças. Dessa forma, a legislação tenta equilibrar os direitos e deveres, oferecendo uma estrutura que possibilite a continuidade das atividades econômicas enquanto protege os direitos dos credores.